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A família no contexto da dependência química

Sabe-se que a dependência química é considerada uma doença ampla, complexa e o seu tratamento carregado de muitos desafios. Um dos pontos que contribuem para esta complexidade da doença é o fato dela atingir de maneira tão direta os membros da família do dependente químico, causando na maioria das vezes, sofrimentos, prejuízos em diversos aspectos, bem como um adoecimento físico e/ou emocional. Ou seja, por trás de um dependente químico normalmente há uma família também adoecida.

Quando se instala a dependência química em um dos membros da família, a dificuldade de enxergar, aceitar é comum num primeiro momento, de modo que a maioria das famílias entram no mecanismo de negação como forma de se defender da dor e da enorme dificuldade de entrar em contato com esta realidade. Após a superação deste período da negação, outros sentimentos tomam contam da família: a culpa, a tristeza, a ansiedade, a raiva o sentimento de pena e tantos outros. Estes sentimentos permeiam os membros da família, hora separadamente, hora misturados, causando angústia, sensação de confusão, dúvidas e comportamentos inapropriados.

A famosa frase: “Onde eu errei? ”, é bastante dita por familiares, em especial as mães. É comum, num primeiro momento ao descobrir que seu filho está num uso abusivo ou já dependente de drogas, procurar a justificativa para tal situação e seus possíveis erros. Sabe-se que o contexto em que um indivíduo vive, a qualidade de suas relações familiares, a transmissão de valores, crenças, limites, costumes, a troca de afeto, a qualidade do diálogo estabelecido na família e o ambiente familiar e social influenciam no desenvolvimento da doença dependência química, porém é importante ressaltar que a dependência química é uma doença multifatorial, portanto não é possível estabelecer um único responsável ou causador pelo aparecimento dela. É uma doença de origem biopsicossocial, tendo assim diversas influências não podendo de maneira nenhuma ter sido causada exclusivamente por um ambiente familiar disfuncional.

Um outro fenômeno que é observado e constatado na dinâmica familiar de um dependente químico, é a CODEPENDÊNCIA. O termo foi estabelecido na década de 70 sendo definido como: “um comportamento aprendido expresso por dependências em pessoas e coisas fora de si mesmo”. Ao pé da letra codependência significa COLABORAÇÃO À DEPENDÊNCIA. O indivíduo codependente quer se responsabilizar pela vida do outro, entendendo que tem a onipotência de decidir por ele, de protegê-lo, salvá-lo, gerando assim um abandono de si mesmo. À medida em que vai se dando conta que isso não é possível, sente-se frustrado e desgastado emocionalmente. Entende-se que a CODEPENDÊNCIA é um padrão de comportamento disfuncional e doentio de se relacionar com o outro. Esta forte necessidade do codependente de cuidar de alguém, de controlar o outro, faz com que ele fique: “dependente da dependência do outro”. Essa necessidade faz com que muitas vezes o familiar apresente comportamentos facilitadores e que favoreçam o uso de substâncias do dependente. Ou seja, muitas vezes ao invés de ajudar, acaba atrapalhando o processo de tratamento.

Entende-se então, que a família, tanto pode ter influência na instalação da doença e no seu tratamento bem como ser influenciada por ela, adoecendo normalmente juntamente com o dependente químico. Portanto, quando se pensa em tratamento de dependência química não tem como deixar de fora desse processo o tratamento também para os membros desta família.

Tem-se como objetivo no tratamento com um dependente químico, interromper o uso de substâncias químicas, amenizar os danos causados por este uso e modificar as questões emocionais e comportamentais que estão relacionadas a este uso. Já com relação à família, o tratamento implica em ajudá-los a compreender as características desta doença, adquirindo conhecimentos sobre ela, refletir sobre a dinâmica familiar e seus próprios comportamentos que estão sendo facilitadores ao uso, ajudando-os a perceber seus sentimentos, reações e comportamentos frente essa questão, e sua possível identificação com a codependência, podendo assim, retomar seu olhar para si mesmo, os cuidados com sua própria vida, desprendendo-se do controle com a vida do outro.

Então, conclui-se que, incluir a família no tratamento de um dependente químico trás benefícios de todos os lados. Esta prática tem provado que tendo a família presente ao longo do tratamento torna-o mais eficiente em seus resultados, além de trazer benefícios e reequilíbrio a esta família. A prática mostra ainda que, quando a família se depara com um membro dependente químico que não aceita sua condição nem um possível tratamento, ainda assim a família pode buscar seu próprio tratamento tanto para aliviar seu sofrimento, mas também para que a partir de sua mudança de comportamento possa influenciar na motivação do dependente a buscar também o seu tratamento. Afinal, a família é um sistema e todos os componentes deste sistema influenciam os comportamentos uns dos outros.

Sobre Marcia Nicoli

e-mail CRP 06/65920 Psicóloga, formada pela UniFMU, especialista em Dependência Química pela UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo e Especialista no Método de Rorschach (Avaliação Psicológica) pela Sociedade Rorschach de São Paulo. Formação em Terapia Cognitiva Comportamental (TCC). Formação em Terapia do Esquema. Trabalha no consultório em atendimento clínico à adolescentes e adultos.