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Poder dizer não ou não ter poder.

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É muito comum no consultório as pessoas dizerem: “Eu não sei dizer não.”  ou “Eu quero aprender a dizer não”.

Na infância, o significado da palavra “não” é um dos primeiros requisitos para nossa segurança. Um mundo de regras que nem precisam ser compreendidas, nos é apresentado: “Não pode colocar o dedo na tomada, na chama da vela, não pode pegar algo e nem ir aonde se quer”… Atender ao não, à medida que crescemos, parece ser uma boa forma de agradar aos adultos, ter carinho, atenção e não sermos rejeitados. E chegamos a vida adulta com a ideia de que para ter aceitação é preciso dizer sim e que isso significa ser bom. O grande problema é que dizendo sempre sim ao outro, alguém irá ouvir um não. Em geral, quem diz muito sim a todos, pode estar dizendo não a si mesmo o tempo todo.

Uma comédia interessante, Sim senhor ( Reed, 2008), aborda a questão de forma exagerada e divertida. Obviamente, o filme coloca uma lente de aumento sobre os comportamentos humanos relacionados às escolhas entre o sim e o não. Em um momento difícil de sua vida, quando tudo parece dar errado, um homem vai se isolando, negando-se a buscar oportunidades de mudanças, diz não a tudo de forma indiscriminada. Nesse cenário, acaba sendo convencido por um palestrante, de que deve dizer sim a tudo. Indo de um extremo a outro, sem nenhuma reflexão, ao longo do filme, pode-se percebê-lo mudando seus comportamentos e aprendendo que saber dizer não aos outros, implica em aprender a dizer sim a si mesmo em primeiro lugar.

Negar tudo significa saber dizer não? É preciso reflexão, pesar suas escolhas, compará-las e compreender que não há respostas totalmente certas ou erradas, mas que podemos escolher o que parece mais adequado, com as informações que temos no momento. Sim ou não, sempre haverá consequências, o importante é refletir e aceitar, sem ficar procurando culpados ou justificativas que em nada facilitam a vida dos envolvidos.

Muitas vezes imaginamos que ao negar, estamos sendo egoístas. Mas se oferecemos mais aos outros do que temos condições de dar, acabamos por cobrar retornos que não nos foram prometidos. Podemos ficar amargos, ocupando um lugar de vítima, pensando “Eu faço tudo pelos outros e quando peço algo, ninguém quer me ajudar!”.

Vale lembrar que estabelecemos limites com as crianças para protegê-las. Adultos podem se cuidar. Por que então, deixar nas mãos de outros, decisões que afetam sua vida?

Embora os limites bem colocados façam parte de uma coexistência mais saudável, também implicam em suportar as consequências que nem sempre são agradáveis e algumas vezes, podem despertar o temor da rejeição. Por outro lado, muitos sentem que ao ouvir um não, o outro pode de alguma forma ser destruído. Assim, evitam o conflito, mesmo precisando pagar altos custos emocionais para isso.

Nesse sentido, a psicoterapia pode ajudar a refletir sobre os significados do sim e do não e suas consequências, permitindo escolhas sólidas que facilitem lidar com as diversas possibilidades conhecidas e até as que não foram previstas no processo de escolha.

É preciso compreender que dizer sim ou não a uma pessoa ou situação, implica em abrir mão de todas as outras escolhas, todas as outras saídas. No entanto, isso não precisa ser ruim. Pode-se, por exemplo, ajudar muito mais a quem amamos com um não. Dizer “não”, além de permitir ao outro uma reflexão que leve ao crescimento pessoal, provavelmente trará a todos uma vida sem tantas culpas ou rejeições.

Dizendo sim para o que é possível, quando é possível e porque nos sentimos disponíveis, cuidamos bem de nossa saúde mental e física. Escolher entre o sim e o não nos confere poder e responsabilidade sobre nossas próprias vidas. Assim, não haverá necessidade de cobranças, apenas a certeza de que estamos fazendo o nosso melhor.

Referência bibliográfica

SIM senhor.Direção Peyton Reed. Londres: Warner Bros. 2008.

Sobre Eliane Cardoso

e-mail CRP 06/75282 Psicóloga formada pela UniFMU, na área clínica. Realiza atendimentos a crianças, adolescentes, adultos e casais. Especialista em Orientação Vocacional/ Profissional. Atua em orientação a pais e familiares. Professora especialista em alfabetização com mais de 20 anos de experiência. Palestrante sobre temas como: “Comunicação entre pais e filhos”, “Sexualidade”, “Casamento e comunicação” e “Bullying”.